Artigos

RECUSA A TOMAR VACINA CONTRA A COVID-19 PODE RESULTAR EM DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA?

Com o avanço da vacinação contra a Covid-19 no Brasil, diversas empresas que mantinham seus empregados em home office, estão retornando ao trabalho presencial. Mesmo cientes de que a forma mais eficaz de se proteger do vírus e retomar nossas vidas normalmente, seja a vacinação, algumas pessoas se recusam a se vacinar, obrigando o empregador a se posicionar para garantir um ambiente coletivo seguro e saudável.

A crença inicial é de que não haveriam penalidades por acreditarem que se trata exclusivamente de uma escolha pessoal. No entanto, embora o tema não disponha de uma regulamentação federal mediante um consenso jurídico, é importante lembrar que esta atitude não afeta apenas um indivíduo, mas sim, um coletivo.

Até o dia 25/08/2021, 61% da população brasileira já havia tomado ao menos a 1ª dose da vacina, sendo que 26% já estavam totalmente vacinados com as duas doses ou a dose única.

Por outro lado, até a referida data, somente em Goiás, mais de 600 mil pessoas acima de 30 anos ainda não se vacinaram contra a Covid-19.

Em fevereiro de 2020, a Lei 13.979/2020 foi sancionada, trazendo em seu artigo 3º que, para enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, autoridades poderão adotar medidas que incluem a “determinação de realização compulsória de (…) vacinação e outras medidas profiláticas.”

Em dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou uma decisão que detalhou essa vacinação compulsória no Brasil. “O Plenário do STF decidiu que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020. De acordo com a decisão, o Estado pode impor aos cidadãos que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei, mas não pode fazer a imunização à força”, diz o texto do site do Supremo.

O colegiado definiu que a vacinação compulsória pode ser implementada por medidas indiretas, como a restrição ao exercício de certas atividades ou à presença em determinados lugares:

“(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e

i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes,

(ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes,

(iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas,

(iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e

(v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente;

(II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.”

Importante destacarmos a diferença da vacinação obrigatória e compulsória. Podemos fazer um comparativo com a obrigatoriedade do voto no Brasil, ou seja, todos têm que votar, mas o governo não vai buscar as pessoas em casa e levá-la até o posto de votação, mas quem não votar, sofrerá sanções. Assim, o governo não pode e não vai forçar uma pessoa a tomar a vacina.

Mas a vacinação ser compulsória significa que a pessoa está sujeita a uma punição, caso não se vacine, conforme já decidido pelo STF. Isso pode ser feito porque o direito coletivo prevalece sobre o direito individual, não importando quais sejam os motivos, filosóficos ou religiosos, o direito da saúde coletiva vem em primeiro lugar.

Portanto, se é cabível adotar sanções ao trabalhador ou a um estudante não vacinado, por exemplo, uma vez que estaria colocando em risco a saúde dos demais, seria um dever do empregador o afastamento daquele indivíduo para preservar o ambiente de trabalho, para cumprir seu dever constitucional (artigo 7º, inciso XXII).

Adentrando a seara trabalhista, muito se discute sobre a possibilidade de demissão por justa causa em casos em que o empregado se recusa a se vacinar contra a Covid-19.

Quando as vacinas começaram a ser aplicadas no país, o Ministério Público do Trabalho se posicionou favorável à demissão por justa causa de trabalhadores que se recusassem a tomar vacina sem apresentar razões médicas documentadas. Segundo o MPT, as empresas devem buscar conscientizar e negociar com seus funcionários, mas a mera recusa individual e injustificada não pode colocar em risco a saúde dos demais empregados.

Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve a dispensa por justa causa de funcionária de hospital que se negou a tomar vacina, entendendo que quando a empresa divulga informações e elabora programa de conscientização sobre a vacinação contra Covid-19 aos seus colaboradores, o interesse particular do empregado não pode prevalecer sobre o interesse coletivo, pois, ao deixar de tomar a vacina, o empregado coloca em risco a saúde dos seus colegas e clientes.

Em primeira instância, a juíza da 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul (SP) julgou improcedente o pedido da autora, entendendo que a necessidade de proteção da saúde de todos os trabalhadores e pacientes do hospital deve se sobrepor ao direito individual de se abster da imunização.

O desembargador relator, Roberto Barros da Silva, ao analisar o recurso da trabalhadora, pontuou que a Organização Mundial de Saúde considera a vacinação como principal meio para contenção da Covid-19, no intuito de atingir a “imunidade de rebanho”. Segundo ele a vacinação é medida urgente para proteger a população e assegurar o retorno das atividades normais da sociedade:

A bem da verdade, considerando a gravidade e a amplitude da pandemia, resta patente que se revelou inadequada a recusa da empregada que trabalha em ambiente hospitalar, em se submeter ao protocolo de vacinação previsto em norma nacional de imunização, sobretudo se considerarmos que o imunizante disponibilizado de forma gratuita pelo Governo, foi devidamente aprovado pelo respectivo órgão regulador (Anvisa)“.

Conforme dito, a empresa deve realizar campanhas de conscientização quanto a importância da vacina, assim como disponibilizar o seu serviço médico para os colaboradores e manter os funcionários informados sobre possíveis sanções.

Além de assegurar o cumprimento das medidas de biossegurança mais comuns, como o uso obrigatório de máscaras e manter distanciamento mínimo entre os postos de trabalho, a empresa também é responsável por manter o ambiente seguro por meio da vigilância epidemiológica dos casos e por enfatizar a importância da campanha de imunização entre os funcionários.

Caso a política de vacinação seja adotada como regra da empresa, é preciso que os empregados sejam comunicados formalmente, de preferência de forma escrita.

Mesmo assim, não é recomendado que a demissão por justa causa seja a principal e única medida adotada se determinado trabalhador se recusar a tomar a vacina contra a Covid-19, sendo aconselhável que em um primeiro momento o empregador aplique advertências e suspensões.

No entanto, se o problema persistir diante da recusa do funcionário, aí sim a dispensa por justa causa deverá ser adotada.

Da mesma forma, tal questionamento também surgiu no âmbito da administração pública. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, editou decreto que tornou obrigatória a vacinação contra Covid-19 para os servidores e funcionários públicos municipais, podendo a recusa resultar em punições.

Os Tribunais ainda estudam possíveis medias a serem tomadas em face dos servidores que se recusarem a se vacinar.

Portanto, caso o funcionário não apresente nenhum motivo para a recusa de se vacinar, a demissão por justa causa não é abusiva ou descabida, mas sim legítima e regular.

Artigo redigido pelo advogado integrante da equipe Pinheiro Advogados, Dr. Rodrigo Menezes, atuante no Direito do Trabalho e Desportivo.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *