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Considerações sobre a Sociedade Anônima do Futebol

Atento ao histórico dos clubes de futebol no Brasil, o caráter competitivo e profissional do esporte sobrepôs ao recreativo, exigindo o desenvolvimento de melhores equipes e a busca incessante por mais e mais títulos. Contudo, a gestão de diversos clubes ainda permanece arcaica.

Sabe-se que várias administrações afundaram grandes clubes brasileiros em dívidas impagáveis o que acentuou as tentativas de transformações legislativas visando incorporar ao modelo de futebol brasileiro a lógica do mercado.

Antes de abordar o tema específico do artigo, é de bom alvitre esclarecer alguns elementos essenciais, bem como o alguns termos do gênero “sociedade”, presentes na legislação brasileira

Nessa toada, as sociedades são constituídas pela necessidade de união de vários indivíduos para constituir e alcançar a finalidade determinada pela sociedade uma vez que isoladamente tal feito não seria possível.

Por oportuno, dispõe o art. 981 do Código Civil de 2002 sobre o conceito de sociedades:  

“Art. 981. Celebram contratos de sociedade as pessoas que, reciprocamente, se obrigam a contribuir com bens e serviços para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, de resultados. ”

Nesses termos, ao contrário das associações sem fins lucrativos, nas sociedades existe a obrigação da partilha dos resultados entre seus investidores.

Tanto assim o é que, para a constituição de uma sociedade, deve-se evidenciar a affectio societatis, ou seja, a intenção do sócio de constituir e permanecer em uma sociedade consistente no ânimo em atingir um objetivo comum, bem como perseguir uma finalidade econômica.

Desse modo, após apresentar um breve conceito e características das sociedades, passaremos a abordar e esclarecer alguns dos principais pontos da Lei nº 14.193/2021 que institui a Sociedade Anônima de Futebol (SAF).

Ressalte-se que a criação das Sociedades Anônimas do Futebol tem suscitado grandes debates no meio esportivo. Ademais, basta um breve compulsar dos termos da Lei nº 14.193/2021 para compreender a deliberação de alguns clubes brasileiros a realizar a migração do sistema associativo do futebol para o sistema empresarial, o que não era previsto na legislação anterior.

Por oportuno, transcreve-se o art. 2º da Lei 14.193/2021:

Art. 2º A Sociedade Anônima do Futebol pode ser constituída:

I – pela transformação do clube ou pessoa jurídica original em Sociedade Anônima do Futebol;

II – pela cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol;

III – pela iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento.

O dispositivo exposto acima evidencia um importante ponto de discussão, qual seja, os termos se aplicam tão somente para o Futebol, bem como apenas em sua modalidade profissional, vide art. 1º:

Art. 1º Constitui Sociedade Anônima do Futebol a companhia cuja atividade principal consiste na prática do futebol, feminino e masculino, em competição profissional, sujeita às regras específicas desta Lei e, no que esta Lei não tratar, às disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 e Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998.

Dentro desse contexto, destaca-se três importantes vantagens ao se converter ou constituir uma SAF:

A um, a possibilidade dos clubes de futebol optarem pela execução dos bens para pagar credores segundo regime centralizado de execuções. Dessa forma, a SAF poderá concentrar em um único juízo todas suas execuções, bem como percentual de suas receitas, destinado especificamente para os pagamentos dos credores, que serão pagos de acordo com uma ordem definida.

Ressalte-se que a centralização das execuções trabalhistas não é um tema recente e remonta ao ato nº 2.772/2003 do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região sendo considerado o primeiro ato a disciplinar tal modalidade.

A dois, o acesso a diferentes tipos de financiamento, captação de recursos e a emissão de uma debênture-fut. Dessa forma, a SAF poderá emitir qualquer outro valor mobiliário previsto na Lei 6.404/76 ou em regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A três, a permissão do clube ou pessoa jurídica original efetuar o pagamento das obrigações aos seus credores por meio da recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101/05. Com o advento de tal permissão, é dada ao clube a possibilidade de ser “renascer” a exemplo do Napoli, na Itália.

Nesse trilhar, é possível compreender que os termos da Lei 14.193/2021 objetivam resolver os maiores desafios financeiros dos clubes representados pela extensa folha de credores e pelos bloqueios e penhoras judiciais que inviabilizam o respirar financeiro dos clubes para, paulatinamente, quitarem seus débitos e manter o seu funcionamento regular.

Ainda de acordo com texto, a SAF sucederá o clube ou pessoa jurídica original nas relações com as entidades de administração, bem como nas relações contratuais e ainda participará campeonatos profissionais em que o clube sucedido encontrava-se inscrito ou habilitado.

De fato, é possível observar que são pontos positivos trazidos pela Lei 14.193/2021 que, acompanhados de uma gestão responsável e capacitada, elevarão os clubes de futebol brasileiros a um diferencial entre os demais países, em termos esportivos e financeiros.

Artigo redigido por Mayne Aparecida França Alves, advogada integrante do Escritório Pinheiro Advogados Associados.

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