Um dos níveis de prática esportiva no Brasil é o de formação, que visa o acesso ao esporte por meio de ações planejadas, inclusivas, educativas, culturais e lúdicas para crianças e adolescentes, desde os primeiros anos de idade, bem como direcionada a promover o aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo do praticante em termos recreativos, competitivos ou de alta competição.
No caso do futebol, considera-se um atleta da base ou popularmente conhecido como “amador”, aquele, maior de quatorze e menor de vinte anos de idade, que pratica sem receber ou auferir remuneração, ou sem tirar proveito material em montante superior aos gastos efetuados com sua atividade futebolística, com exceção de eventual valor recebido a título de bolsa de aprendizagem avençada em um compromisso esportivo com o clube portador de Certificado de Clube Formador, sendo facultado, ainda, receber incentivos materiais e patrocínios.
No Brasil, os clubes de futebol só podem ser considerados como formadores se obedecerem dois requisitos, que são: a) estar filiado à sua federação estadual e, por consequência, à Confederação Brasileira de Futebol (CBF); b) possuir o Certificado de Clube Formador (CCF) emitido pela CBF.
O primeiro ponto é basilar para qualquer agremiação e não carece de maiores dificuldades. Já o segundo, é o calcanhar de aquiles de boa parte dos clubes, seja pelos numerosos encargos exigidos pela legislação ou mesmo pelo completo desconhecimento da sua necessidade.
A título conceitual, o Certificado de Clube Formador (CCF) nada mais é do que o documento hábil emitido pela CBF, pelo prazo de 1 (um) ano, permitidas renovações sucessivas, para os clubes que preencham as condições da legislação nacional e resoluções administrativas da CBF.
De acordo com a lista atualizada divulgada pela CBF no último dia 21 de julho[1], apenas 44 (quarenta e quatro) agremiações são especializadas na formação de jogadores e nenhuma dessas organizações esportivas são do Estado de Goiás.
Os benefícios de ser clube formador são vários e podemos especificar alguns, tais como: a) Ter o direito de assinar o primeiro contrato profissional com o atleta e o direito de preferência na renovação; b) Garantia legal para elidir o aliciamento de terceiros e abandono “intencional” do atleta; c) Recebimento de todos os investimentos na formação se o clube formador ficar impossibilitado de assinar o primeiro contrato especial de trabalho esportivo por oposição do atleta, ou quando ele se vincular, sob qualquer forma, a outro clube, sem autorização expressa do clube formador.
No caso da última hipótese, o clube formador deve atender outras obrigações, como do atleta estar regularmente registrado e não poder ter sido desligado do seu clube. A indenização, neste caso, será limitada ao montante correspondente a 200 vezes os gastos comprovadamente efetuados com a formação do atleta, especificados no contrato de formação esportiva, que deverá conter os itens de gastos para fins de cálculo da indenização (ex.: alimentação, médico, moradia, bolsa, preparação física, seguro, etc).
O pagamento do valor indenizatório somente poderá ser efetuado por outra organização esportiva e deverá ser efetivado diretamente ao clube formador no prazo máximo de 15 (quinze) dias, contados da data da vinculação do atleta ao novo clube, para efeito de permitir novo registro na federação respectiva.
Como se observa, a obtenção do Certificado de Clube Formador (CCF) é vital para um clube que possua atletas em sua categoria de base, principalmente aqueles cuja idade estão no ínterim de 14 até completar 16 anos, onde é vedado a sua contratação como empregado, não havendo qualquer forma legal e com segurança jurídica de resguardar os seus direitos sem que haja o contrato de formação devidamente registrado na federação local, amparado pelo devido certificado.
Após o atleta completar 16 anos, é possível que ele assine o seu primeiro contrato profissional. Contudo, sem o Certificado de Clube Formador (CCF), não há qualquer dever para que o atleta assim o faça e nem mesmo remanescerá direito para o clube formador exigir qualquer indenização.
Na mesma toada, mesmo que hipoteticamente todos os atletas das categorias de base que completassem 16 anos quisessem assinar o contrato profissional com o clube, este não o faria, seja pelo alto custo do investimento e a baixa possibilidade da maioria tornarem-se atletas de alto rendimento, optando, como regra prática, a assinar o contrato com apenas poucos jogadores que são considerados naquele momento como de futuro promissor, não havendo qualquer garantia legal em relação aos demais. Entretanto, se a organização esportiva possuir o Certificado de Clube Formador (CCF) e registrar o contrato de formação desportiva na federação legal, estará amparado pela legislação esportiva.
Sem delongas, embora as exigências para a obtenção do Certificado de Clube Formador (CCF) sejam várias e algumas difíceis, a prática demonstra ser plenamente possível, bastando o clube entender como investimento a contratação de profissionais especializados neste segmento, com expertise e know how para tal, com o objetivo de que eles façam a criação, desenvolvimento do projeto e aprovação.
A demonstração econômica de que se trata de investimento é simples. Além das razões já mencionadas, basta o gestor do clube fazer um simples cálculo aritmético de quantos atletas entre 14 a 20 anos saíram da sua agremiação nos últimos dois anos e foram para outra instituição, sem ter recebido nenhum valor, e hoje ditos jogadores estão jogando, participando das competições e realizando transações onerosas com clubes diversos. Outra conta que deve ser feita é de quanto se investe anualmente em cada categoria da base, quantos atletas estão sem o contrato profissional e analisar se vale o custo versus benefício de correr esse risco.
Como conclusão, pelo nível de exigência do futebol, os investimentos cada vez maiores nas categorias de base e as regras básicas de governança administrativa, dentro do planejamento estratégico de qualquer clube que ainda não detém o Certificado de Clube Formador (CCF), entende-se que deve ter como meta primordial sanear imediatamente este ponto fraco, em curto prazo, sob pena da organização esportiva ficar imersa diariamente na insegurança jurídica e econômica, além de deixar em risco um dos seus maiores ativos, aliado ao fato de que, com a promulgação da Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023, que institui a Lei Geral do Esporte, não mais poderá manter atletas em formação nos seus alojamentos caso não possua o CCF.
*Paulo Henrique S. Pinheiro é advogado, sócio do escritório Pinheiro Advogados Associados S/S, com atuação para clubes de futebol, recreativos, federações, associações esportivas e atletas profissionais. É Mestre em Direito Desportivo, Presidente da Comissão de Direito Desportivo da seccional da OAB/GO, gestor de futebol pela CBF, professor da matéria “Direito Desportivo” e “Direito do Trabalho” em cursos de extensões e de pós-graduação. É autor de livros e artigos jurídicos no segmento esportivo e trabalhista.
[1] Disponível em https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/registro-transferencia/certificado-de-clube-formador. Acesso em 28 jul. 2023.